terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Duas visões sobre o Ocidente: Argo e Rota Irlandesa

A experiência de olhar para nós mesmos e tentar se distanciar do óbvio, dos hábitos viciados e abrir espaço para uma reflexão crítica é algo extremamente difícil. Ainda mais se tratarmos de assuntos polêmicos, como religião, guerra e diferenças culturais marcantes. No entanto, em cartaz nos cinemas, estão dois filmes que possibilitam duas visões distintas das práticas ocidentais em oposição à cultura oriental.

Ao assistir "Argo", de Ben Affleck, o espectador não consegue tirar os olhos das cenas impactantes, com uma reprodução incrível da realidade dos reféns americanos durante a revolução islâmica de Khomeini, em 1979, no Irã. O filme é daqueles de tirar o fôlego, não há tempo de refletir na sala escura, apenas de se angustiar com a situação dos diplomatas estadunidenses que vivem meses em sigilo na casa do embaixador canadense, enquanto toda cidade de Teerã está em ebulição. A operação Argo, que torna-se pública mais tarde, realizada pela CIA, conseguiu resgatar os reféns americanos do Irã em um período que o país disseminava o ódio contra os Estados Unidos, depois da queda do Reinado Xá, que contava com o apoio americano. Com a Revolução Iraniana, de 1979, o modelo autocrático  foi derrubado e o xá recebeu asilo político nos Estados Unidos, presidido por Jimmy Carter, o que gerou uma revolta da população do Irã. Durante a ditadura do xá Mohammad Reza Pahveli, por sua vez, o Irã viveu anos de forte repressão, disseminação da polícia secreta, corrupção e ocidentalização.

Assim, neste contexto em que os iranianos pregavam o antiamericanismo e anti-ocidentalização do país, ocorre a operação Argo. O filme, inicialmente, retoma os anos anteriores à Revolução Iraniana e, de fato, comprova que o regime do xá teve apoio norte-americano. No entanto, no decorrer, os traços orientais são sempre vinculados às práticas violentas e intolerantes, enquanto os americanos são colocados no papel de vítimas de uma sociedade "selvagem", em que não há diálogo e compreensão da diferença. Desta forma, "Argo", apesar de ser perfeito cinematograficamente, é extremamente parcial e superficial na busca da compreensão do embate entre o ocidente e o oriente. O filme não propõe uma reflexão, ele apenas impõe ao espectador que torça para os diplomatas estadunidenses retomarem com vida ao país ocidental, enquanto no Irã ocorrem enforcamentos, grupos armados pelas ruas, fanatismo religioso e perseguição contra os que infringem às leis do Islã. Quem assistir ao filme na expectativa de uma nova oportunidade de conhecer o Irã vai encontrar a mesma lente batida em reportagens de TV, jornais, ou seja, mais uma visão clichê do país.



Do Irã para o Iraque, em contexto muito distinto, "Rota Irlandesa", de Ken Loach, abre espaço para uma reflexão sobre a Guerra do Iraque. O tema é tão atual que não é possível dizer com clareza se o conflito já teve um ponto final. Assim como as dúvidas que existem acerca do início e fim da batalha comandada por George W. Bush, o filme apresenta as incertezas e conflitos internos dos soldados ingleses que foram para a guerra atraídos pelo bom salário em um contexto da crise europeia.

Desta forma, "Rota Irlandesa" já humaniza os soldados de guerra. Aqueles que têm função de combater, atirar, são extremamente humanos, vivem a crise em seu país, o desemprego, além de apresentarem dificuldades em lidar com as atrocidades da guerra. Para complicar ainda mais a situação, um dos amigos, Frankie, morre em situação não esclarecida, o que leva o protagonista Fergus a investigar a morte do companheiro. Para isso, Ken Loach vai fundo nas contradições humanas, em que o poder, as diferenças culturais, a luta por dinheiro, prestígio, a dor e os instintos mais primitivos se misturam em um ambiente hostil, embalado por uma batalha questionável e cruel. Além disso, o filme utiliza imagens reais e documentais do conflito iraniano.

A  perversidade da guerra é refletida com o pano de fundo de uma das estradas mais perigosas de Bagdá. Porém, quem assistir ao filme "Rota Irlandesa" pode chegar a conclusão de que o risco e a violência não existem apenas no Irã e, sim, são condições sine qua non de todos os humanos.