quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Choro

Neste dia de sol, por que não consolidamos nossa amizade de anos e vamos à praia? Ninguém pode perder o contato assim, do nada.

A menina, tão pálida, com o rosto inchado de quem havia chorado uma noite inteira - ou quem sabe mais -, silenciou. Tentou virar pra trás em um gesto brusco, e recuou. Sentia-se incapaz até mesmo de desviar-se daquele sofrimento. Respirou fundo, focando na terapia junguiana, que durou mais de cinco anos de exercícios respiratórios e relaxantes que, agora, não valiam de nada.  Resolveu encarar o homem e procurar o olhar de quem esteve ao seu lado durante mais anos do que todas as suas analistas somadas. Não encontrou.

Desperdiçara tantas sessões terapêuticas, perdera toda a cumplicidade construída em cada segredo e a cada noite compartilhada. Frustrada, resolveu apelar para todos os conselhos e frases clichês dos amigos ao tentar segurar o choro: "ele não merece te ver chorar", "quem ele pensa que é", "você é muito para ele", diziam todos os seus queridos, em coro, num grito de apoio que entrava por um ouvido e ficava preso como um nó na garganta. Todas as palavras carinhosas, os ombros disponíveis para as horas frágeis, cada canção ouvida na tentativa de cicatrizar a ferida: tudo vinha na cabeça, entretanto, nada segurava as insistentes lágrimas.

Todos os dias chorosos de reflexão, qualquer esboço de força recomposta, desapareceram naqueles instantes. Havia sido casada com aquele homem e, mesmo com muito esforço e preparação, não conseguia reconhecê-lo. Uma completa falta de sintonia na comunicação, no toque, nos olhares descruzados.

Antes de racionalizar, o pranto falou mais alto. E o rapaz, por sua vez, deu um passo atrás e escondeu as mãos, para evitar suas marcas e sua parcela de culpa em cada lágrima derramada, em um choro latente e sincero.

O garoto estava extremamente angustiado, sem saber como lidar com a tristeza da mulher. A cena refletia o fracasso da felicidade a dois que, um dia, havia proposto. A vaidade desmoronada. Ele, que sempre posava de marido perfeito, via, à sua frente, a mulher despedaçada. E permanecia ali, incapaz de agir. "Para!", implorava em silêncio.

No entanto, ela, finalmente, havia desistido de se mostrar forte, superior, inabalável. Após a primeira lágrima, como uma vingança, uma prova incontestável da infelicidade a dois, da incapacidade de convivência harmoniosa, resolveu chorar tudo o que guardara durante anos. Restava a ele, na posição de menino, encarar o laço perdido.