Lembro-me das vezes em que
conversávamos rindo sobre o momento da separação, tentando orquestrar uma
possibilidade remota e absolutamente plausível, distante dos nossos olhos, mas
próxima de qualquer estatística ou probabilidade de casais que estão juntos há
anos. Ou casa ou racha. Primeira opção. Mas, e aí? Casar não impede que a possibilidade
de rachar ande sempre por perto.
Assim, prevendo a dureza dos
desencontros, a gente encenava nossas brigas, a separação, cada reação de um
futuro distante. Por mais louco aquilo parecesse, achávamos que lidar com a
possibilidade da ruptura era uma boa forma de prever a permanência daquela
cumplicidade, do carinho, do afeto. No entanto, agora, de improviso, não
decoramos os gestos, nem as palavras. Ficou um vazio repleto de silêncios e
angústias.
Tudo no mesmo lugar desordenado.
Não consigo mais identificar o que deixava aquilo ali aparentemente em ordem.
Houve muitos momentos de sintonia, que perderam-se no meio das caixas de
papelão, das roupas emboladas, dos móveis fragmentados. Aquele bairro
caótico havia se transformado no quarteirão da paz quando comparado à minha
cabeça transfigurada.
Desnorteada, sigo o caminho da
volta, sem lembrar o que me fez seguir adiante. Tudo parece igual, exceto minha
imagem no reflexo do metrô. Não me reconheço. Entretanto, os conhecidos que
fazem o caminho oposto me cumprimentam, e eu sou obrigada a retribuir o aceno,
sem esboçar um sorriso. Perdoe-me, mas não são horas para ser simpática,
concluo, tentando livrar-me da culpa de parecer arrogante.
Minha boca seca prende os dentes dentre os lábios rachados. Enfio a mão na bolsa, encontro três tipos de
hidratantes labiais. Por mais que eu tente me controlar, não consigo evitar o
excesso de preocupação com produtos farmacêuticos e dermatológicos. Vou
testando um a um, para ver qual deles surte um efeito imediato e me permite
abrir a boca e gritar tudo o que está preso há dias, semanas ou meses. Não faço
ideia do tempo, tudo passou rápido, mas cada dia é carregado de horas
intermináveis. Percebo que a secura talvez seja sede, nem lembro a última vez
que bebi um copo d´água. Porém, agora, surge outra dúvida: qual seria a minha
nova estação? Exausta, decido esquecer qualquer tipo de pensamento. Resolvo encostar a cabeça e deixar o próprio trajeto do metrô me acordar em
uma hora e, de preferência, em outro local mais apropriado.