terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Foi-se carnaval

Ainda é terça, mas já parece domingo. A voz que deveria pronunciar que o carnaval acabou não aguenta mais cantarolar nenhuma marchinha alegre, está completamente rouca e falha. Cansou-se de sorrir e de se expor por aí. Perdeu-se nos pontos de ônibus à procura de um transporte público que a levasse para casa, não encontrou nenhum táxi, viu estações de metrô fechadas e teve que se contentar com o trajeto a pé. 

A rua foi seu lar. Assim, em cada avenida sambou completamente fora do ritmo, tentando manter o cílio postiço no devido lugar, enquanto a cola grudava em seus dedos e em sua fantasia customizada. Maldita hora que recusara a aprender truques de maquiagem com sua mãe. Porém, jamais imaginou que sentiria falta de uma estratégia de fixar os cílios de pavão, combinando com sua fantasia de paetê azul e penachos que a faziam coadjuvar um show de Ney Matogrosso, em pleno centro da cidade.

Ô, pássaro formoso! Na verdade, não lembrava se estava de pavão na Gamboa ou em Madureira, ou talvez, quem sabe, havia sido em uma das passagens pelo Mam? Mas quem se importa? Usou tantos adereços que perdeu-se entre plumas. Todos os dias viraram um bloco carnavalesco em que o desencontro foi a grande graça. A memória, prova de fracasso. O fracasso, por sua vez, status de sucesso.

Tentava ouvir os sopros, no entanto, suas pernas cansadas mal conseguiam acompanhar aquele insistente surdo de primeira. E aquela batida não permitia localizar qual era a música tocada pelo bloco. A percussão cadencia a multidão, mas confunde a cabeça do indivíduo. Neste momento de perdição, quando não sabia o que fazer, segurava uma serpentina e a jogava o mais longe possível, "em direção ao futuro", sonhava.

Cada fita colorida, em tom pastel, numa dissintonia com as saias de tule, os strass, purpurinas e adesivos nos olhos de cada mulher, e as tiaras de flores vibrantes, sumiam no meio da multidão. Não importava. A sua maior diversão era abaixar e procurar os restos de cada serpentina jogada. Aquele papel carnavalesco ficava, para a maioria das pessoas, obsoleto em segundos. Como um jornal do dia anterior, que hoje não serve para mais nada.

Percebeu que as coisas sem utilidade a interessavam muito. E enquanto todos seguiam o bloco e tentavam acompanhar as músicas, - mesmo sem saber cantar nenhuma parte da letra - ela entreteu-se na dinâmica de jogar a serpentina, observar seu destino e, logo, correr atrás dos resquícios do papel. E pronto. Construiu seu cordão com tiras pisoteadas, molhadas de cerveja, manchas de batom e de brilhos. Após a última batida do bloco e exaustão do corpo, resolveu seguir para casa, já arrependida de se despedir precocemente do carnaval. Para evitar a nostalgia antes mesmo da chegada da quarta-feira de cinzas, com jeito de domingo e dia dos finados, pegou o bolo de serpentinas e guardou em sua carteira. Caminhou serena, pronta para encarar o desengano e o retorno à realidade. Havia, assim, guardado para si os pedaços do carnaval.