segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Para um amor no Recife

Não sei bem quando foi, o tempo marcava o compasso do frevo. Perdia-me facilmente na tentativa de acertar o passo, equilibrar a cachaça e buscar os seus olhos na multidão. De longe, ouvi seu sotaque pernambucano e aquilo foi suficiente para me apaixonar. Não deu em outra, você logo sacou que eu era sua. Aí veio o Hino do Elefante de Olinda, com aquele refrão poderoso, e eu chorei. Sabia que meu coração estava entregue. E aí, você sorriu. E mesmo gargalhando, perdido, pro ar, era incapaz de se desequilibrar. Conseguia seguir os passos do frevo, daqueles que só as passistas faziam, dando-me o atestado de pernambucano autêntico. Você se ajoelhava e subia com uma facilidade comovente, que me vidrou. Sim, entre confetes e serpentinas, venho te oferecer com alegria meu amor. Fitando seus olhos, sem vergonha nenhuma, gritando na sua cara que tudo é você na imaginação.

E pronto. Ali tudo ocorreu, tudo para que eu largasse minha vida rumo ao Recife. Apesar de sonhar em morar em Olinda, convenceu-me de que seria melhor nos instalar em Casa Forte, à beira do Rio Capibaribe. Cantando, nêguinho, a língua do frevo, zoando meu sotaque carioca, você me fez renascer nordestina. Assim, do Rio de Janeiro, não sobrou nada. E do nada fez-se tudo.

A sua mania de ouvir discos arranhados na vitrola de seu avô, o jeito que só você sabe declarar amor ao Capiba, os olhos marejados ao me ouvir cantar trêmula "Madeira que cupim não rói". E a paixão ao falar da música de sua terra, que, perdoe-me, virou um pouco minha também, de Chico, Karina, Mombojó, Academia da Berlinda, Siba, Eddie. Os olhos saltam quando você fala suavemente, e eu sinto as águas do Capibaribe entrarem em nossa casa, molhando as plantas. Cada vasinho de uma cor vibrante, como o domingo de carnaval, em que nos conhecemos. E faz tempo, mas foi ontem, e poderia ser amanhã.

O frevo, o mar quente de Boa Viagem, você rindo do meu medo de tubarão. E a gente decorando todas as canções pernambucanas. E o rufar das alfaias dos quatro cantos decorando as paredes da nossa casa. Sem querer, eu puxando o sotaque nordestino numa tentativa de pertencimento a algo que já havia me tomado por inteira. E assim foi, a cada dia, nossa rotina parecia um eterno carnaval. Caminhando no Marco Zero, no carro, no ônibus, era só frevo-canção, daquele que anuncia a saudade. E Capiba virou nosso amor, assim como a Nação Estrela Brilhante, os filmes de nossa cidade, O som ao redor, Era uma vez eu, Verônica, tudo. E tudo de nosso, agora, é nada. Só de lembrar da Bodega de Véio dói tudo, e, pra piorar, não posso mais me apegar a um frevo-canção. A vida é triste e cheia de dissabores, ensinou Capiba. Agora, não tento nem arrumar palavras para tanta distância, tantos quilômetros, tantos sonhos. Não há cachaça que tire meu amargor. Para meu amor, no Recife, haja aperto para estancar o sangue e limpar a ferida. Com atraso, perdi o tempo do maracatu, e a saudade me embaraça até hoje. Mas continuo tentando, sem sucesso, pronunciar a minha dor.